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Quando as lamentações substituem os sonhos...

Paulo Laureano
Paulo Laureano Opinião
 

Já vi acontecer. Muitas vezes e a pessoas de quem gosto muito.

A consequência não é só as pessoas envelhecerem, é desistirem, viverem amarguradas, derrotadas pelas experiencias anteriores e a arrastarem-se pela vida desperdiçando essa coisa preciosa que é estar vivo. Esse tempo perdido não volta volta para trás. E o tempo é limitado.

Mesmo que a pessoa recupere um dia a alma, vontade e alegria de perseguir coisas, nada permite recuperar o tempo que se desperdiçou.

Vejo essas pessoas não fazerem coisas que lhes dão prazer e gratificação imediatas, porque não se conseguem desligar das consequências ("end game") que gostariam que resultassem das suas próximas acções (i.e. dinheiro / sucesso / reconhecimento / segurança / legado... pick your poison). Nem sempre o caminho mais "directo" para esse "end game" é uma linha recta. Nem é garantido que seja de todo atingível. Não digo que abdiquem do "end game", apenas que gravitem à volta, fazendo no meio termo coisas que vos proporcionem prazer mais imediato, eventualmente até vos aproximem do tal objectivo (que valorizam ao ponto de condicionar tudo o resto).

Os sonhos são perigosos. Estão excessivamente valorizados. Cada vez que alguns são atingidos tipicamente dão lugar a outros mais ambiciosos, e a vida gasta-se a perseguir a cenoura que está sempre centrada no horizonte. E o foco na cenoura não permite apreciar a paisagem e gozar a viagem durante essa corrida desenfreada.

Precisamos de pagar contas. Sobreviver numa sociedade em que há perigos e riscos. Ter um tecto por cima da cabeça e paredes e portas que nos permitam descansar protegidos. Depois disso atingido o importante é viver coisas que nos dão prazer. Se os objectivos e sonhos que nos condicionam ao ponto de destruir o prazer de viver, de fazer as coisas que nos dão prazer, se tudo é perseguir os sonhos, vão eventualmente (e improvavelmente) ser o tipo mais rico do cemitério ou o que era mais famoso ou reconhecido. Não me sai da cabeça a imagem do coelho da "Alice no país das maravilhas" perpetuamente atrasado.

As lamentações, a frustração de não ter ainda atingido metas imaginárias, ou se não se sentirem na "via rápida" para lá chegar, sentirem-se bloqueados em "estações de serviço" da "estrada imaginária" e sem qualquer interesse. Ou pior ainda, sentem-se numa estrada secundária que não está sinalizada no meio de nenhures. Todos os obstáculos parecem inultrapassáveis, ou no mínimo complicados de ultrapassar. São absolutamente óbvias as dificuldades e riscos, tantas vezes por culpa de terceiros, por o campo estar minado e inclinado. Nenhum caminho parece levar onde se exige chegar, todos parecem levar a nada que interesse.
Escrevam um livro, blog, seja lá o que for. Examinem esses objectivos, coloquem-nos em tribunal, sejam advogados das partes e juízes. Contem lá então ao mundo sobre esse mar de dores que foram as vossas experiências. Pode ser que alguém aprenda alguma coisa. Pode ser que quando se observarem com uma perspectiva critica em terceira pessoa descubram onde erraram. Pode ser que descubram que perseguir baleias brancas (Moby Dick) talvez não seja um bom projecto de vida e descubram outro alternativo e mais gratificante. Talvez não.

Recordo-me muitas vezes de um querido amigo meu, que quando lhe cancelaram o projecto de uma vida na televisão (que ele ele fazia há muitos anos), entrou num registo de vida mais amargo. Nunca parou, continuou a fazer outras coisas (deu aulas, continuou o projecto da televisão em rádio, fez mais fotografia e organizou muitas "pontas soltas" que tinha no sotão). Mas com tudo isso, nunca encontrou um caminho para um registo de vida tão gratificante e feliz como o que tinha antes. Acabou por falecer, e eu, que o adorava, confesso que não valorizo a obra dele (que é fantástica!) ao mesmo nível que valorizo os períodos em que o vi mais ou menos feliz. Podia ter feito mil outras coisas diferentes, para mim seria indiferente, o que ele fazia parecia importante na altura, mas o prazer que ele retirava de "fazer coisas" era o que era verdadeiramente importante aos meus olhos (hoje).

O importante é as pessoas extraírem da vida o sumo, a felicidade, o prazer de sentir. Resolver problemas, o gozo de resolver o puzzle, de ser bem sucedido a fazer coisas que eram difíceis. Mas não se condicionem, não joguem o jogo no nível de dificuldade errado. Mudem de jogo se esse não está a resultar. Podem sempre começar um novo. Não desistam é de perseguir esse unicórnio da felicidade, que mais não é que a soma de vários momentos de prazer que encontram pelo caminho. E, feitas as contas no final, ninguém quer saber o que fizeram, ou o não conseguiram fazer. Para quem realmente interessa o importante é recordar os vossos momentos de alegria, o prazer que tiveram pontualmente, e quanto maior a frequência dessas alegrias melhor.

Estejam mais com quem gostam, façam coisas que vos dão prazer, parem lá de sabotar a vossa própria vida (já basta as dificuldades inerente a ter uma e sobreviver nesta selva de asfalto e gente medíocre), preocupem-se mais com o curto e médio prazo que com o longo. Vai chegar o momento em que o tempo é mesmo o mais importante, e ele vai acabar, pensem mais em como aproveitar hoje, esta semana, este mês, para o mês que vem podem já cá não estar, ou pior que isso, pode já cá não estar uma pessoa de que gostam.

 

Este artigo foi publicado no Medium (sou subscritor e recomendo vivamente).

 

 

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