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Deserto do Sahara (marrocos)
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Marrocos

Paulo Laureano
Paulo Laureano Viagens

A viagem decorreu entre 20 de Abril a 5 de Maio de 1997.

As viagens a Marrocos do tipo turismo-aventura são geralmente sinónimo de travessia do deserto. Poucos são aqueles que se deslocam a este país para explorar também as pistas do Atlas. A travessia do Alto Atlas é tão ou mais emocionante que as pistas do Sahara e a paisagem é igualmente gratificante. Foi com o intuito de realizar essa travessia que um grupo de 9 pessoas, dividido por quatro motos e um veículo todo-o-terreno, partiu de Lisboa numa viagem que durou cerca de 15 dias e mais de 6000 Km de estrada, terra, lama, agua, neve e areia! Das temperaturas baixas nas montanhas do Atlas ao escaldante Sahara, do conforto da Europa ao mundo marroquino. 15 dias de aventura com dois ossos partidos à mistura...

Eu e os meus companheiros de viagem em 1997
1 Março 1997.  A fotografia central mostra a nossa primeira refeição em Marrocos. Da esquerda para a direita; eu, Pedro Texugo, João Tiago, Alvaro Pinto, Miguel, Paulo Marques, Sandra Lucas e Sandra... A Raquel estava a tirar a fotografia!

 

1º dia - O asfalto: Lisboa-Algeciras (650Km)

O único objectivo do primeiro dia de viagem (20 de Abril) era "galgar" os 650 Km que separam Lisboa e Algeciras... o grupo da expedição estava dividido em três; o patrol seguiu caminho independentemente das motas, uma das XT600 (Pedro Texugo e Sandra Lucas) estava no Algarve e eu (XT350), Alvaro (XT600) e Paulo (Transalp) saímos de Lisboa. Combinamos o encontro entre todos em Espanha...

Logo em pleno Alentejo começaram os problemas para o grupo motard oriundo de Lisboa (eu, Alvaro Pinto e Paulo Marques). No caminho entre Beja e Serpa e dada a escassez de postos de abastecimento de combustível a moto com menor autonomia, a minha Yamaha XT350, ficou sem gasolina. Um dos outros elementos do grupo (o Alvaro na sua XT600) foi obrigado a fazer o percurso até Serpa em busca de combustível. Aí só existem 2 postos de abastecimento e o posto principal estava encerrado por motivo de obras... Tendo chegado ao 2º posto por volta das 13horas e 5 minutos, o empregado recusou-se a encher uma garrafa com gasolina, alegando que a sua hora de almoço era das 13h às 14horas. Isto apesar de lhe termos explicado que uma das motos tinha ficado sem combustível a cerca de 20 Km de Serpa e que tínhamos ainda 500Km para fazer naquele dia. Não nos restou mais do que esperar até o respeitável gasolineiro terminar a refeição para conseguirmos o almejado combustível... começou "bem" a viagem!

O restante percurso até Algeciras fez-se sem problemas de maior, até porque as estradas espanholas são bem melhores que as nossas, principalmente em termos de sinalização. O percurso do Pedro e Sandra, assim como do Patrol decorreu sem incidentes... passámos a noite numa pousada merdosa a 500 metros da estacão do ferry, onde pagamos o equivalente a um hotel de quatro estrelas em Marrocos por quartos horriveis e uma garagem com guarda; a saber que às 6 da madrugada do dia seguinte começava a grande aventura.

 

2º (21 de Abril) e 3º (22 de Abril) dias: Algeciras-Tanger-Fez-Midelt

No ferry que liga Algeciras a Tânger as motos foram presas por cordas no porão de forma a que não tombassem no caso de o mar estar mais agitado. Subimos à zona de passageiros onde uns comeram qualquer coisa no bar, outros deliciaram-se com os golfinhos que acompanhavam o ferry e eu dormitei alegremente por uma ou duas horas. Acordei com a ondulação que entretanto aumentou. Preocupados com a motas fomos ao porão do ferry e descobrimos que uma das XT600 havia sofrido danos na zona das entradas de ar para arrefecimento do motor. Nada de muito grave mas o suficiente para se fazer o resto da travessia no porão abraçados às motos de forma a evitar mais estragos... Isto com o Pedro (dono da XT600 danificada) demasiado enjoado para pensar muito no assunto (serviu como anestesia). Uma horita mais tarde lá entrámos no porto e nos preparámos para entrar em solo Marroquino...

Logo à entrada de Tânger, fomos confrontados com o caótico trânsito das cidades marroquinas. Aos muitos carros juntam-se inúmeros ciclomotores e ainda algumas carroças. Um inferno para quem acabava de chegar da civilizada Espanha! Ainda por cima um inferno muito húmido porque chovia "a potes"...

No segundo dia pernoitámos em Fez. Nesta cidade o resto do grupo (i.e. todos menos eu) recomenda uma visita à Medina que é segundo eles uma das mais interessantes de Marrocos... eu recomendo que evitem as grandes cidades e a porcaria das medinas a todo o custo! Não acho mesmo piadinha nenhuma a cidades do terceiro mundo nem aos chatos que as habitam (e que passam a vida a tentar extorquir dinheiro aos turistas); por mim as cidades servem apenas como locais de descanso onde há hotéis e, felizmente, em muitos casos não precisamos sequer de entrar na cidade. Ao fim do 3º dia, já de noite e sem chuva, antes de chegarmos a Midelt percorremos uma recta de cerca de 40Km ao longo de um planalto. Foi uma experiência inesquecível. A lua cheia permitia apreciar os contornos da paisagem e pela primeira vez na vida vimos um arco íris nocturno(!). Chegar ao hotel (não me lembro do nome mas é a antes da entrada/saida da cidade, dependendo de que lado se está depois das bombas de gasolina para quem esta a sair da cidade), em Midelt, gelados e molhados por dois dias terríveis, foi profundamente agradável e o moral do grupo subiu "em flecha". O hotel era francamente agradavel, muitissimo bem decorado, com uma lareira paradisiaca para viajantes congelados, parabolica onde se apanhava a RTP internacional, um restaurante simpático, jardins vedados adjacentes ao hotel onde se podia deixar as motas e, pelo lado negativo, não tinha toalhas de banho nos quartos e a piscina ainda está em construção depois de dois anos de anuncio da sua disponibilidade à entrada.

 

Do 4º (23 Abril) ao 8º (27 Abril) dia: Alto Atlas.

Cirque de Jaffar - Boulmalne du Dades. Uma aventura repleta de pedras, trilhos "impossíveis", neve e rios criados pelo degelo...
Partindo de Midelt, uma pequena cidade situada num desértico planalto rodeado de altas montanhas com os cumes cobertos de neve, começámos a nossa travessia do Alto Atlas. A pista inicia-se logo à saída da cidade pelo Cirque de Jaffar. Esta é composta essencialmente por pedras de tamanho médio o que obriga a alguns cuidados na condução. Logo nos primeiros quilómetros um dos motards (Alvaro) teve o azar de furar um pneu (XT600), o qual foi imediatamente reparado com o indispensável spray.

Mais acima aguardavam-nos algumas surpresas. Alguns km à frente a pista encontrava-se coberta de neve e o numero médio de quedas por motard subiu drasticamente. Só foi possível transpor esta parte da pista graças à cooperação de todos. As motas carregadíssimas eram muito mais pesadas do que algum de nós individualmente conseguia levantar pelo que a cada queda era repetido o ritual de todos os motards correrem para ajudar a levantar a mota...

O entusiasmo e as esperanças de concretizar a travessia tinham sofrido um forte abalo. 25Km por dia (distancia percorrida no primeiro dia) era uma média muito abaixo da esperada e a continuar a pista com neve e consequentemente o número de quedas era praticamente inviável chegar às "Gorges du Todra"; o nosso destino do outro lado do Atlas.

Pouco antes de escurecer montámos acampamento rodeados por uma paisagem deslumbrante com os picos cheios de neve como pano de fundo. Um frio tremendo e umas agradáveis horas à fogueira antes de dormir são as recordações que ficaram dessa primeira noite a acampar no meio do Atlas.

No início do 5º dia, e apesar da ausência de neve no trilho, as coisas não melhoraram. A pista estreitou consideravelmente, seguindo junto a um forte precipício. O piso apresentava-se repleto de pedras de todos os tamanhos o que deu azo a alguns sustos e uma ou outra queda. Uma das quedas deixou uma das motos pendurada junto ao precipício. A vontade de desistir da travessia aumentou. A componente de loucura de toda a viagem nunca nos havia parecido tão óbvia!

No fim da zona mais difícil da pista, que não tinha de extensão mais de 1Km e que demorou umas boas 2 horas a percorrer, fomos convidados pelo grupo de berberes a descansar um pouco na sua casa e a tomar um chá de menta. Já descalços e sentados no chão da única divisão da casa saboreámos o magnífico chá acompanhado de pão caseiro embebido em azeite. Um verdadeiro regalo! No fim e como é "tradição" em Marrocos foram-nos pedidos alguns "souvenirs" em troca da hospitabilidade. Lá presenteámos os berberes com alguns dirhams, t-shirts e medicamentos. Nos dias que correm há um berbere com uma camisola da Esoterica e um boné da Visus no meio do Atlas!

A partir daí a pista melhorou. Uma estrada de montanha (terra batida com muita lama) excelente comparativamente aos os milhentos calhaus que a antecederam. A meio da tarde chegámos a Tunfit onde foi possível encher os jerricans de gasolina super (dada a ausência de gasolina sem chumbo) e fazer algumas compras.

Optámos por prosseguir, apesar de faltar cerca de uma hora para escurecer, seguindo um road book rabiscado por um simpático guia local. A experiência de viajar de noite foi terrível. Avançámos muito pouco e ficámos muito aquém do local recomendado pelo guia para acampar. O trilho a partir de Tunfit passou a ser junto ou mesmo no leito de rios e riachos. A travessia destes durante a noite revelou-se bastante difícil dado o elevado nível das águas (consequência do degelo). Os riscos corridos nessa noite excederam em muito o planeado para toda a viagem! Lá fomos obrigados a acampar um pouco acima do leito do rio, de forma a evitar qualquer surpresa, o que é sempre possível naquela região em época de degelo.

No terceiro dia o trilho prosseguiu junto ao rio, tendo sido obrigados a atravessá-lo inúmeras vezes, sempre com o coração nas mãos, não fosse o nível das águas demasiado elevado ou o fundo demasiado escorregadio... a corrente era fortíssima e o receio de uma queda dentro de agua era justificado. Sustos não faltaram e o primeiro motard a atravessar cada rio levava o coração nas mãos; os outros observavam prontos a saltar para "o charco" em caso de problemas. Pelo caminho ajudámos a desatascar um enorme camião marroquino que estando atolado na lama nos cortava o caminho e, mais uma vez, acampámos...

No quarto dia seguinte atingimos Imilchil. Trata-se de uma simpática vila onde há alguns pequenos hotéis, cafés e mercearias onde se pode reabastecer. Para quem pretenda aproveitar a viagem para resolver problemas do foro sentimental recomenda-se a visita ao famoso "Marriage market of Aït Haddidou" de Imilchil, que decorre durante o mês de Setembro e que lhe permitirá escolher entre uma das muitas noivas disponíveis. Decidimos não pernoitar em Imilchil, tendo partido em direcção a Agoudal; vila a Sul de Imilchil. Pelo caminho, e já a grande custo devido ao cansaço, montámos mais um acampamento. Felizmente foi o último...

De Agoudal até Boulmalne du Dades, que fica já no sopé das montanhas do Atlas, o percurso, apesar de ser em pista não apresenta grandes dificuldades. Interessante é a zona a partir de Msemrir, e principalmente as Gorges du Dadés, na parte final da travessia. Aí a pista encontra-se encravada numa garganta de altura razoável, ladeada por paredes rochosas, e segue junto a um rio. A opção pelas Gorges du Dadés deveu-se ao facto de a pista aí ser bastante mais fácil do que nas Gorges du Todra (mais a leste). Contudo, estas últimas são, na nossa opinião, bastante mais espectaculares, recomendando-se a opção por essa travessia.

À chegada a Tinherir instalámo-nos no Hotel Tombouctu. Que bem que soube regressar à civilização após vários dias de pistas e de acampamentos. Para os motards foram dias duríssimos a exigir grande esforço físico e grande concentração. A refeição na tenda do pátio interior do Hotel, depois de um bom banho, foi como estar no paraíso!

 

Do 9º (28 de Abril) ao 11º (30 de Abril) Dia: Do deserto a Marrakesh...

Os restantes dias de viagem foram bastante menos cansativos. Fez-se uma pequena incursão pelo deserto em Merzouga (passeio que se recomenda e que é acessível a qualquer mota de trail) e depois disso imperou o alcatrão.

Em Ouarzazate visitámos ao restaurante Chez Dimitri; um dos poucos sítios onde se pode deliciar com pratos de cozinha internacional. Caro (pagamos 4500$00 por uma refeição, o que equivale a umas 5 refeições a preços marroquinos) mas agradável (segundo o resto do grupo... eu achei uma merda mas fui o único...). Uma excelente piscina no hotel (infelizmente não me lembro do nome mas é na mesma rua que o Chez Dimitri, tem quatro estrelas, uns jardins e piscina bestiais) compensou e serviu para recuperar energias. Ao final do dia partimos para Merzoug (entrada do Sahara) onde chegamos por volta das 22h depois de uma viagem muitíssimo agradável...

Os dias de deserto são o que se espera deles, pistas longas, muito calor e cuidados especiais com a areia fina. Passámos um dia no deserto e seguimos para Marrakesh numa viagem sem grande história numa F*A*B*U*L*O*S*A estrada de montanha onde as cores alaranjadas e o agradável ar quente fizeram as minhas delicias.

Mar06 As pistas do Sahara são entusiasmantes e permitem velocidades relativamente elevadas. Se não fosse o nível de trepidação dar a sensação que as motas estão a largar peças e que não há parafuso que não saia da rosca... Foi o que aconteceu com a minha XT350, que ficou sem um dos parafusos que segura o escape!

 

O 12º (1 de Maio) e 13º (2 de Maio) Dia: De Marrakesh a Essaouira...

Seguiu-se Marrakesh: uma cidade (asquerosa) a não perder (segundo a opinião dos meus oito companheiros de viagem com que eu discordo) pelo seu exotismo (blearrgh!), e onde é imprescindível (credo! Não é nada impriscindível!) visitar a famosa praça Jama El Fna (horrível), de preferência ao fim da tarde (eu diria que em qualquer outro horário seria preferível pois a essa hora está a abarrotar de gente), bem como o Soukh (mercado tipo "medina asquerosa coberta" de que eles gostaram muito). O ambiente daquela praça é único (felizmente!) com uma infinidade de artistas de rua (que são uma merda mas que os meus companheiros de viagem gostaram de ver), encantadores de serpentes (nada que uma visita ao Jardim Zoológico de Lisboa em hora de alimentação das cobras não suplante), vendedores de água, dentistas (uns indígenas que arrancam dentes aos locais e os empilham na praça para com isso atraírem mais miseráveis), bancas de sumo de laranja (único ponto apreciado por mim) e um movimento simplesmente impressionante (que obviamente detestei)...

No final do dia partimos para Essaouira sete dos elementos do grupo (o Pedro e Sandra Lucas, sozinhos numa XT600, partiram para Lisboa no final do dia) com o objectivo de descansar um dia inteiro e pela primeira vez ficar duas noites seguidas no mesmo hotel (não andamos de mota mais de 24 horas!). Trata-se de uma vila piscatória, com pouco movimento onde é possível adquirir excelente artesanato em madeira. Foi um dia de total relaxamento, banhos de piscina, etc. O hotel em que ficámos foi o "des isles", que era o único com piscina, e se veio a revelar extremamente agradável e relaxante.

 

14º (3 de Maio) e 16º (5 de Maio) Dia: De Rabat a Lisboa...

Raid Rabat - Lisboa termina com uma queda e muitas dores.
Por volta das 16h do 14º dia arrancámos de Essaouira para Rabat (a capital de Marrocos) onde passámos a noite. Cansados, e fartos de aturar os "esquemas" marroquinos, em Rabat tivemos uns "artistas" à nossa volta de manhã a tentar extorquir mais uns cobres por as motas estarem onde as deixámos no dia anterior, ou seja, à porta do hotel de quatro estrelas... natural em Marrocos, mas que vai sendo progressivamente menos "curioso" e mais "chato" à medida que os dias passam!

A estrada ao longo da costa é boa e grande parte do percurso é feito por auto-estrada... de Rabat (15º dia) a Lisboa (16º dia) foi directo(!) tendo havido pelo meio cerca de 6 horas de pausa (três para passar a alfandega marroquina e outras tantas para a viagem de volta a Espanha de ferry). Chegámos a Espanha por volta das 23 horas e só parámos em Lisboa. A viagem por estradas espanholas foi rápida e decorreu sem incidentes.

Em Portugal, já a cerca de 30 km de Lisboa, tive um acidente e parti o pulso em dois ossos... Foi, decididamente, o período mais desagradável da viagem. Consegui trazer a mota até casa, sempre escoltado pelo Alvaro e Paulo (os dois outros motards visto que o Patrol tinha perdido o contacto com as motas perto de Sevilha), sentindo dores cada vez que tinha de utilizar a mão esquerda para meter mudanças. Depois de um banho, e umas 4 horas de sono, lá fui engessar o braço e comer um valente "bacalhau com natas"!

 

Considerações...

Apesar de se tratar de uma iniciativa puramente amadora contámos com o apoio dos concessionários Motorway (mota Honda) e Motopeças (motas Yamaha) que nos patrocinaram as peças suplentes para as motas, indispensáveis à aventura. A revista motociclismo patrocinou a viagem permitindo visibilidade aos restantes patrocinadores através da publicação da nossa pequena odisseia no numero de Setembro de 1997.

O que fizemos foi muito giro e arriscado. Dificilmente se resiste a tentação de repetir mas, agora que se conhecem os riscos e dificuldades, não podemos deixar de pensar que tivemos muita sorte. Assumida essa componente de "loucura", e estando disposto a arcar com as potenciais consequências físicas e monetárias, é uma viagem que recomendo vivamente que façam se tiverem oportunidade.

 

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